Antonio Gil Neto
Ontem
me dei de presente um momento livre, fugidio dessa vidinha banal que
nos consome e faz o tempo tão fluído, rarefeito, dentro dos nossos
intensos e tão obrigatórios compromissos. De recreio aberto perambulei
por tempo bom na exposição temporária no Museu da Língua Portuguesa.
Mais uma vez homenageia um escritor brasileiro. Desta feita: “Jorge, Amado e Universal”.
Neste
ano celebra-se o centenário desse ícone da nossa literatura. Retratou
personagens e passagens típicas da nossa cultura com uma linguagem que
transcende a própria língua portuguesa. Esta homenagem traz ao público
itens pertencentes à Fundação Casa de Jorge Amado e à família do
escritor. Raridades como o datiloscrito original de “Tieta do Agreste”,
por exemplo, estão presentes na exposição.
Assim, Inaugurei-me em visitante e mergulhei no cenário convidativo logo ao sair do elevador.
Não
encontro formato parecido com cenas de filmes, organizado
cronologicamente. De cara o cenário atraente me acolhe junto ao mundo
imaginário do autor. Os elementos de tantas páginas e tramas dançam a
qualquer olhar curioso e inquieto de descobrir. De tirar o verniz do
conhecido, por vezes. Por trás , inesperados. Da entrada à saída vamos
sendo um pouco de Jorge Amado. Moram nesse espaço-arte o escritor, o
político, o cidadão baiano de raiz e glória e a pessoa genuína,
espelhada de amor e admiração sem fim. Recriamos um novo Jorge em cada
momento do redescoberto.
O
passeio vai se desenhando nos espaços temáticos propostos. Dialogam com
nossos percursos particulares. Reavivam a alma do autor. Passamos por
eles povoados da emoção que circula de sua vida tão rica e original.
Talvez
pela impossibilidade de abordar toda a biografia e criação ficcional do
escritor baiano, somos convidados a observar focos de um todo maior.
Vamos ficando mais atentos, tentados. O que continuará no sair desse
encontro. Uma eficaz estratégia educadora: temos pistas, caminhos
sugeridos para Instigar sempre.
Sabemos
que o patrimônio de Jorge Amado tem aproximadamente 5.000 personagens.
Criadas cheias de grandezas, fraquezas, de sabedoria popular, donas de
uma sensualidade encantadora, repletas de malícia, fé e esperanças
configuram um retrato primoroso do nosso povo. Logo no primeiro módulo,
o abre-alas da exposição fica por conta de suas personagens mais
conhecidas: Gabriela e Nacib, Dona Flor, Os capitães da areia, Pedro
Arcanjo, Antonio Balduíno, Guma e Lívia, O Menino Grapiúna, Santa
Bárbara, Quincas. Podemos saborear trechos dos livros em que estes
aparecem, datiloscritos corrigidos à caneta, material audiovisual,
ilustrações nas obras e até mesmo produtos diversos com os nomes destes
personagens que nos ajudam a entender a importância destas criações no
imaginário cultural brasileiro.
Para
nos envolver ainda mais inunda o nosso olhar visitante uma instalação
com mais de 5.000 fitas semelhantes àquelas do Senhor do Bonfim nas
paredes. Em cada uma está o nome de um dos muitos personagens de Jorge
Amado.
O
segundo módulo nos coloca cara a cara com a vida política de Jorge
Amado. Nos deparamos com sua destacada performance comunista. Convicto
até ao fim da vida, Jorge Amado foi deputado federal de São Paulo pelo
Partido Comunista Brasileiro, em 1945. Foi, mais do que pela sua
filiação ao partido, mas pela sua postura política, um dos escritores
mais visados pela censura no Brasil e em Portugal, durante a ditadura
nos dois países. Aos nossos olhos passeia em movimento vagaroso de
impressão uma colagem de jornais sobre a sua atuação política e
passagens das suas viagens por países comunistas.
O
terceiro módulo nos traz dois temas pulsantes da obra do escritor. Um
colorido inunda o espaço e se frutifica em nosso olhar viajante. São as
misturas que caracterizam a nossa cultura. Em destaque, a miscigenação e
o sincretismo religioso.
O
quarto módulo é dedicado à malandragem e à sensualidade, sempre
presentes na obra do autor. Através de algumas aberturas, feito buracos
de fechaduras salientes estrategicamente salpicadas nas paredes, podemos
nos deliciar com trechos do autor homenageado. Passei um bom tempo a
ler, a espreitar…
O quinto módulo, como não poderia faltar, nos dá um pouquinho da Bahia, tal como foi ‘(re)inventada’ por Jorge Amado. Com suas belezas e mazelas. Do mar ao cacau corremos os olhos e logo vislumbramos elementos importantes do universo criativo do autor.
O quinto módulo, como não poderia faltar, nos dá um pouquinho da Bahia, tal como foi ‘(re)inventada’ por Jorge Amado. Com suas belezas e mazelas. Do mar ao cacau corremos os olhos e logo vislumbramos elementos importantes do universo criativo do autor.
Há
ainda o módulo chamado de “Casa dos Milagres”. Nele estão expostos
objetos pessoais do autor. É emocionante nos depararmos com cartas,
manuscritos, fotos, vídeos com depoimentos de tantos amigos ,
intelectuais e anônimos. Num corredor final checamos toda a cronologia
da vida do autor e seus livros traduzidos para 49 idiomas. Em especial,
nossos olhos dançam no florido estampado das camisas que dão a presença
imaginária de Jorge Amado para além dos tempo.
Saindo
da exposição, no segundo andar, temos um brinde: um espaço com livros
do escritor e terminais com muito conteúdo sobre o autor para se
consultar calmamente, sentado, com luz confortável.
Sei
que esta exposição ficará em São Paulo até o dia 22 de julho. Para quem
aqui vier pode ser um bom passeio. Sei também que seguirá para o Museu
de Arte Moderna da Bahia. Quem não tiver essas oportunidades poderá
visitar o site: http://www.museulinguaportuguesa.org.br/index.php
Já
na rua, friozinho paulistano pedindo café e já antevendo os tempos
obrigatórios me espreitando vou dando conta dos tantos Jorges que
existem em Jorge Amado. Universalmente pairam sua alma e suas palavras
no espaço de existir. Elas ficam arraigadas em fina sensibilidade.
Guardo em minha memória particular sua invenção tão presente, tão
vívida. Uma tenda de Jorge sempre Amado se instalará em nossa existência
feito exposição permanente de belezas e afeto.
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