quarta-feira, 30 de maio de 2012


Antonio Gil Neto

Ontem me dei de presente um momento livre, fugidio  dessa vidinha banal que nos consome e faz o tempo tão fluído, rarefeito, dentro dos nossos intensos e tão obrigatórios compromissos. De recreio aberto perambulei por tempo bom na  exposição temporária no Museu da Língua Portuguesa. Mais uma vez homenageia um escritor brasileiro. Desta feita:  “Jorge, Amado e Universal”.
Neste ano celebra-se o centenário desse ícone da nossa literatura. Retratou personagens e passagens típicas da nossa cultura com uma linguagem que transcende a própria língua portuguesa. Esta homenagem traz ao público itens pertencentes à Fundação Casa de Jorge Amado e à família do escritor. Raridades como o datiloscrito original de “Tieta do Agreste”, por exemplo, estão presentes na exposição.
Assim, Inaugurei-me em visitante e mergulhei no cenário convidativo logo ao sair do elevador.
Não encontro formato parecido com cenas de filmes, organizado cronologicamente. De cara o cenário atraente me acolhe junto ao mundo imaginário do autor. Os elementos de tantas páginas e tramas dançam a qualquer olhar curioso e inquieto de descobrir. De tirar o verniz do conhecido, por vezes. Por trás , inesperados. Da entrada à saída  vamos sendo  um pouco de  Jorge Amado. Moram nesse espaço-arte o escritor, o político, o cidadão baiano de raiz e glória e a pessoa genuína, espelhada de amor e admiração sem fim. Recriamos um novo Jorge em cada momento  do redescoberto.

O passeio vai se desenhando nos espaços temáticos propostos. Dialogam com nossos percursos particulares. Reavivam a alma do autor. Passamos por eles povoados da emoção que circula de sua vida tão rica e original.

Talvez pela impossibilidade de abordar toda a biografia e criação ficcional do escritor baiano, somos convidados a observar focos de um todo maior. Vamos ficando mais atentos, tentados. O que continuará no sair desse encontro. Uma eficaz estratégia educadora: temos pistas, caminhos sugeridos para Instigar sempre.
Sabemos que o patrimônio de Jorge Amado tem aproximadamente 5.000 personagens. Criadas cheias de grandezas, fraquezas, de sabedoria popular, donas de uma sensualidade encantadora, repletas de malícia, fé e esperanças configuram um retrato primoroso do nosso povo.  Logo no primeiro módulo, o abre-alas da exposição fica por conta de suas personagens mais conhecidas: Gabriela e Nacib, Dona Flor, Os capitães da areia, Pedro Arcanjo, Antonio Balduíno, Guma e Lívia, O Menino Grapiúna, Santa Bárbara, Quincas. Podemos saborear trechos dos livros em que estes aparecem, datiloscritos corrigidos à caneta, material audiovisual, ilustrações nas obras e até mesmo produtos diversos com os nomes destes personagens que nos ajudam a entender a importância destas criações no imaginário cultural brasileiro.

Para nos envolver ainda mais inunda o nosso olhar visitante uma instalação com mais de 5.000 fitas semelhantes àquelas do Senhor do Bonfim nas paredes. Em cada uma está o nome de um dos muitos personagens de Jorge Amado.
O segundo módulo nos coloca cara a cara com a vida política de Jorge Amado. Nos deparamos com sua  destacada performance comunista. Convicto até ao fim da vida, Jorge Amado foi deputado federal de São Paulo pelo Partido Comunista Brasileiro,  em 1945. Foi,  mais do que  pela sua filiação ao partido, mas pela sua postura política, um dos escritores mais visados pela censura no Brasil e em Portugal, durante a ditadura nos dois países. Aos nossos olhos passeia em movimento vagaroso de impressão uma colagem de jornais sobre a sua atuação política e passagens das suas viagens por países comunistas.

O terceiro módulo nos traz dois temas pulsantes da obra do escritor. Um colorido inunda o espaço e se frutifica em nosso olhar viajante. São as misturas que caracterizam a nossa cultura. Em destaque, a miscigenação e o sincretismo religioso.

O quarto módulo é dedicado à malandragem e à sensualidade, sempre presentes na obra do autor. Através de algumas aberturas, feito buracos de fechaduras salientes estrategicamente salpicadas nas paredes, podemos nos deliciar com trechos do autor homenageado. Passei um bom tempo a ler, a espreitar…

O quinto módulo, como não poderia faltar, nos dá um pouquinho da Bahia, tal como foi ‘(re)inventada’ por Jorge Amado. Com suas belezas e mazelas. Do  mar  ao cacau corremos os olhos e logo vislumbramos elementos importantes do universo criativo do autor.

Há ainda o módulo chamado de “Casa dos Milagres”. Nele estão expostos objetos pessoais do autor. É emocionante nos depararmos com cartas, manuscritos, fotos, vídeos com depoimentos de tantos amigos , intelectuais e anônimos. Num corredor final checamos toda a cronologia da vida do autor e seus livros traduzidos para 49 idiomas. Em especial, nossos olhos dançam no florido estampado das camisas que dão a presença imaginária de Jorge Amado para além dos tempo.

Saindo da exposição, no segundo andar, temos um brinde: um espaço com livros do escritor e terminais com muito conteúdo sobre o autor para  se consultar calmamente, sentado, com luz confortável.

Sei que esta exposição ficará em São Paulo até o dia 22 de julho. Para quem aqui vier pode ser um bom passeio. Sei também que seguirá para o Museu de Arte Moderna da Bahia. Quem não tiver essas oportunidades poderá visitar o site: http://www.museulinguaportuguesa.org.br/index.php

Já na rua, friozinho paulistano pedindo café e já antevendo os tempos obrigatórios me espreitando vou dando conta dos tantos Jorges que existem em Jorge Amado. Universalmente pairam sua alma e suas palavras no espaço de existir. Elas ficam arraigadas em fina sensibilidade. Guardo em minha memória particular sua invenção tão presente, tão vívida. Uma tenda de Jorge sempre Amado se instalará em nossa existência feito exposição permanente de belezas e afeto.

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